A Cabeça de Walter Franco

A aparição de Walter Franco no VII Festival Internacional da Canção, em 1972, foi polêmica e talvez mais do que ele mesmo pretendia ser.


Primeiro porque ele apresentou Cabeça, música de letra estranha, com recursos eletrônicos então inéditos na música brasileira. Sofisticada, experimental e diferente de tudo que até o momento havia sido apresentado. Causou surpresa, foi aplaudida pelo jurados.


Segundo porque ainda que a aceitação do júri e críticos tenha sido positiva, a plateia não gostou: cerca de 4 mil pessoas vaiaram Walter Franco durante sua apresentação. No entanto, diante disso, ele permaneceu impassível, imóvel e perturbadoramente tranquilo. Surgia ali um "cara zen" (Faceta que a própria imprensa ajudou a criar e de forma correta: a reação de Walter Franco se repetiria em outras situações, e tal postura foi bastante explorada de modo a se tornar uma marca registrada e que se confirmaria nos discos gravados depois, quando expressa melhor sua forte relação com a filosofia oriental).


Em terceiro lugar, a polêmica música foi classificada (o júri era formado por Roberto Freire, Décio Pignatari, Nara Leão, Sérgio Cabral, Mário Luís Barbato, Rogério Duprat, Alberto de Carvalho, João Carlos Martins, Guilherme Araújo, Big Boy, Walter Silva) e seria premiada. No entanto, Nara Leão, então presidente dos jurados, havia dado uma entrevista ao Jornal do Brasil em que falava mal dos militares. Em seguida, a direção do Festival recebeu a notícia de que Nara não poderia mais participar. O júri foi demitido e substituido por um júri internacional. A música de Walter Franco foi desclassificada.


Por fim, Walter Franco e sua apresentação foram polêmicos porque, diferente do que muitos possam pensar sobre o tratamento dos grandes jornais e revistas em relação aos artistas experimentais e "malditos", Walter Franco teve dedicado espaço na imprensa, com matérias regadas a elogios e defesas - claro que talvez um detalhe faça diferença, ainda que nada posso ser realmente afirmado: Walter Silva, um dos principais criticos da Folha de São Paulo, foi também produtor do disco Ou não, lançado no inico de 73. De qualquer modo, críticos e jornalistas da época souberam reconhecer o talento anunciado e no geral, a imprensa paulista tratou Walter Franco com bastante interesse. Artista ousado, polêmico, mas dotado de grande talento. Chegou a ser anunciado como o principal nome da música brasileira, cujo trunfo foi justamente sua capacidade de inovação.


No entanto, a desclassificação de Cabeça é um aspecto que ficou por dizer. Pelo menos entre meu pequeno acervo, que conta com matérias da Folha de São Paulo e Veja da década de 1970 inteira e algumas do jornal do Brasil, Estado de S. Paulo, entre outros, nada foi dito. Se ele tentou dizer algo, também não se sabe. Nesse sentido é claro que a imprensa deixou a desejar, ainda que isso aparentemente não tenha abalado Walter Franco. Durante o Festival, ele já se preparava para gravar seu primeiro disco.


A destituição do júri nacional e a desclassificação da música de Walter Franco gerou diversas reações em que se acreditava na ideia de que havia sido sabotagem para tirar a premiação.


As músicas vencedoras, no final do Festival, foram Fio Maravilha de Jorge Ben, defendida por Maria Alcina e Diálogo, samba de Baden Powel e Paulo César Pinheiro, interpretado por Cláudia Regina e Baden. Canções que ganharam no lugar de Cabeça, mas que nem chegaram a se classificar na fase internacional.


As matérias:
Folha de S. Paulo, em 2/10/72
Veja, em 27/9/72 - Otávio Tavares de Araújo
Folha de S. Paulo, em 16/9/72 - Walter Silva

Ouçam Cabeça



4 comentários:

Rodrigo Motta disse...

Muito interessante, a maneira como você expôs os acontecimentos, ouvi a música agora e realmente é muito intrigante, assim como seu post! Parabéns, ficou muito bom Giu!

André e seus Caldos de Cana disse...

giu, adorei o blog, mesmo! já linkei entre os meus favoritos. acho que é uma forma bem bacana de você divulgar sua pesquisa. vá em frente, não desista. beijão.

André e seus Caldos de Cana disse...

giu: o chato do caetano meloso falou sobre walter franco e "cabeça", ontem, no "altas horas". vc viu? besos

Giu Gragnani disse...

vi agora, e achei muito bom. tudo a ver, jards macalé e mautner vão aparecer por aqui, inclusive o próprio caetano.
dá pra ver o programa no site: http://altashoras.globo.com/videos/t/programa/v/caetano-veloso-comenta-a-expressao-ou-nao/1759859/