Tom Zé e o Movimento Pela Recuperação do Lirismo

O ostracismo de Tom Zé nos anos 70 já é bem conhecido. E é claro que por conta disso, mesmo com a época da “popularidade”, existe uma lacuna imensa na carreira dele. Falta informação e uma pesquisa pela internet é o bastante para descobrir que todo material limita-se aos mesmos poucos assuntos.

É por isso que este texto corre o risco de ter alguns equívocos. Não há nada, pelo menos que eu tenha encontrado, sobre este tema em lugar algum. Se isso de um lado qualifica este artigo como inédito, por outro me expõe ao erro.

Trata-se de um momento peculiar (eu diria), na história do Tom Zé nos anos 70 e que ajuda a preencher o vazio de documentos, além de anunciar, em certa medida, o rumo que tomaria já no ano seguinte.


A investida confusa, mal-entendida e não por acaso.

No início da década de 70, Tom Zé ainda mantinha alguma popularidade, e o disco Se o Caso é Chorar, de 1972, algum espaço (o disco só ganhou esse nome quando relançado nos anos 80, na época, chamava-se apenas Tom Zé).

Acontece que as coisas não andavam bem: sem o grupo tropicalista de um lado, e com o grito nacionalista e “popular” do outro, parece que Tom Zé ficou sem saber o que fazer. Confuso, empenhou algumas tentativas, infelizmente frustradas

Uma delas foi o MOPREL – Movimento Pela Recuperação do Lirismo, que Tom Zé “fundou” e lançou durante o show Com Quantos Quilos de Medo se Faz uma Tradição, ao lado de Tuzé de Abreu, Perna, Ivone, Valdez e conjunto de percussão de São Paulo, onde apresentaria as músicas do disco de 1972 entre outras coisas.

“Recuperar o lirismo, sim, mas isso nada tem a ver com romantismo, porque afinal, eu não sou arqueólogo para ficar desenterrando velharia”. (Tom Zé, Folha de S. Paulo).

Tom Zé parecia empolgado e, apesar disso, a empreitada na imprensa foi inexpressiva. Apenas a Folha de S. Paulo anunciou e, como único jornal a tocar no assunto, não existe um contraponto. Mesmo assim, era certo que uma novidade estava por vir. Alguma expectativa e, ao mesmo tempo, receio e dúvida. Porque, afinal, o que os baianos estariam aprontando agora?

“Pode ser que venha a ser uma droga, pode ser que não. Pode ser que os seus autores apenas pretendam investir contra os bancos e a favor do lirismo para ver se algum banco investe neles próprios e pode ser que não. De qualquer forma a ideia é original, e para variar, parte de um grupo de baianos” (Folha de S. Paulo).

O que seria o MOPREL era uma pergunta no ar. Ninguém estava entendendo bem a proposta e, certamente, para não correr o risco, as matérias que antecederam ao show foram todas um tanto desconfiadas.

Tom Zé dizia “Se nós não dermos canções, as pessoas vão morrer sufocadas com o pescoço em uma gravata ou em uma chaminé de fábrica retorcida”.

E a Folha de S. Paulo respondia “Será mais uma tapeação prafrentex? ou será uma nova sacudidela que um outro grupo de baianos vai dar no cenário musical? a Bahia é capaz de tudo” (Folha de S. Paulo).

Tom Zé: “Os valores da contestação estão ficando parecidos com os valores eternos da tradição. A contestação passou a ser um comportamento de moda, gratuito e vazio, com o protesto camuflando uma forma de reação. Sempre desconfiei da violência como esconderijo da covardia, porque ela é sempre fascista, mesmo com a bandeira da flor”.

Folha de S. Paulo: “Talvez seja o lançamento de uma nova ideologia ou subideologia da MPB”.


“Enamorados do Brasil uni-vos”

“Por tradição, o lirismo sempre foi um capital de investimento de propriedade dos namorados. O que dá medo é que a propaganda está desviando intencionalmente esse lirismo para as organizações financeiras. Vamos fazer esse show porque entre os bancos e os namorados nós resolvemos pública e corajosamente tomar partidos do namorados”.

Para a imprensa, Tom Zé realmente parecia falar outra língua. Ousado, louco, gênio, naquele momento nada era certo. Quase em tom de deboche, e também de quem já havia acompanhado um movimento das proporções do tropicalismo, do qual fez parte, mas já parecia nunca ter acontecido, as matérias seguiram.

O show aconteceu e se ele realmente tinha a intenção de iniciar um novo movimento, se decepcionou: a crítica veio morna.

"Não é bom, nem mau. Quando anunciamos sua apresentação neste jornal, tivemos o cuidado de ressalvar a constante expectativa com os novos grupos baianos. E dizíamos: devemos ir ver e esperar por um show muito bom ou muito mau. E de certa forma, isso aconteceu”. (Alfio Beccari)

Depois, segue destacando altos e baixos, e na maioria das vezes, os baixos. Críticas aos músicos, críticas às performances de Tom Zé e, em resumo, não passou de um show mais ou menos.

O clima foi de decepção, mas com o tom “nós avisamos”. Sempre com muito receio, muito cuidado (certamente a ditadura não tem nada a ver com isso) e ao que tudo indica a imagem de Tom Zé já não andava muito bem. No ano seguinte, lançou Todos os Olhos, nova empreitada que, mais uma vez, não deu certo. E o que aconteceu na sequencia todo mundo já sabe.

A ousadia em Todos os Olhos pode ter sido o mote para que as gravadoras e a imprensa desistissem de Tom Zé, mas certamente não começou com esse disco.

“Eu quero ser puro, mas não vamos exagerar ao ponto de me tornar um imbecil”. Os sentimentos são compreensíveis, mas como movimento, é difícil saber onde Tom Zé queria chegar. Talvez ele realmente não tivesse grandes pretensões – o que eu não acredito.

A verdade sobre isso só ele mesmo pode dizer.